Os problemas foram superados adicionando um eletrodo de referência junto com dois eletrodos de trabalho, um para ureia e outro para o pH, separados por uma distância de 2 milímetros. Para imobilizar a enzima responsável por catalisar a degradação da ureia em um dos eletrodos de trabalho, foi usada tinta à base de quitosana, um polímero que preserva a estabilidade da enzima. Assim, o dispositivo consegue medir o sinal tanto da ureia quanto do pH, o que permite fazer a correção.
Os cientistas fizeram testes em amostras de suor artificial e depois em amostras reais de suor de voluntários. Nos dois experimentos, o dispositivo conseguiu detectar a ureia com precisão, sem ser afetado por outras substâncias na mistura. Oliveira Junior explica que o trabalho de verificar se outras substâncias estão interferindo nas medidas é essencial. “O suor é um fluido complicado, que tem muitas substâncias. É preciso tomar cuidado para que uma não seja confundida com outra.”
Sistemas semelhantes para outros marcadores
Trabalhos como esse do mesmo grupo de pesquisa têm sido feitos a fim de atender às demandas clínicas do Incor, buscando monitorar outros marcadores do sangue de maneira não invasiva e dinâmica. Os pesquisadores buscam parcerias com agentes do mercado que façam a produção desses dispositivos em grande escala.
A elevação de ureia no sangue surge quando há diminuição da capacidade dos rins de filtrar o sangue das substâncias tóxicas. Gisela Redin conta que medir os níveis de ureia é uma forma indireta de monitorar o estado do risco cardíaco. “Os pacientes com insuficiência renal têm maiores chances de desenvolver doenças cardíacas, porque o rim também processa eletrólitos e outras moléculas que são importantes para o funcionamento do coração”. A pesquisadora ressalta que os eletrólitos, sódio e potássio, são os responsáveis pelas contrações no coração. A ideia é que o sódio e o potássio também sejam monitorados através de um só dispositivo.
Nesse sentido, o nível de ureia é apenas um dos marcadores que podem ser monitorados sem a coleta de sangue. A solução criada é parte de um projeto maior da USP para viabilizar dispositivos vestíveis para capturar e processar biomarcadores, como relata ao Jornal da USP o professor Marco Antonio Gutierrez, da FMUSP. “Nós estamos desenvolvendo eletrônica para que esses dispositivos possam captar sinais diferentes em nossos pacientes e métodos que permitam analisá-los continuamente.” Uma das preocupações é que os mecanismos sejam viáveis financeiramente para o uso no sistema público de saúde.
Exames para medir fatores como esses são parte da rotina dos hospitais. O monitoramento a distância ajuda a evitar a ida desnecessária de pacientes aos centros de saúde e expô-los a infecções do ambiente hospitalar. “Queremos disponibilizar ao nosso paciente um aplicativo no smartphone, por exemplo, que passe a medida de ureia de maneira não invasiva e que envie esses dados para a nossa infraestrutura de prontuário eletrônico e acompanhamento dos pacientes”, explica Gutierrez.
Os projetos são liderados pelo Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular e pelo Laboratório de Informática Biomédica da FMUSP. O trabalho de engenharia de dispositivos, com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponibilização no mercado, requer o investimento de empresas ou instituições interessadas. Embora não existam ainda parcerias, a maior parte do caminho já foi traçada pelos pesquisadores.
Os sensores podem ser produzidos em massa usando técnicas de revestimento slot-die. “A técnica consiste na deposição de filmes finos sobre substratos flexíveis continuamente, de forma automatizada”, conta Giovana Rosso, que foi pós-doutoranda do IQSC e também é colaboradora do projeto. “Nós escolhemos essa técnica porque a taxa de cisalhamento para a deposição da biotinta é baixa. Isso quer dizer que a ferramenta de deposição não exerce uma pressão muito alta sobre as biomoléculas e também não existe fricção devido ao não contato da biotinta com o substrato. Isso poderia fazer com que as biomoléculas perdessem sua função, que é a degradação da ureia.” Gisela Redin acrescenta que nem todos os sensores podem ser fabricados usando esse tipo de técnica. “Por isso, nós também trabalhamos em formular tintas e biotintas que poderiam ser depositadas com a técnica slot-die e esse foi um trabalho adicional da nossa parte.”
A máquina utilizada para a produção do sensor usa tecnologia roll-to-roll (R2R) e foi fruto do trabalho de doutorado de Leonardo Dias Cagnani na USP. Hoje ela é fabricada pela DevelopNow, uma empresa em São Carlos fundada a partir do Programa Fapesp Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A pesquisa teve o apoio da Fapesp, do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Assistida por Computação Científica (INCT-Macc).
Mais informações: e-mails giovanarosso84@gmail.com, com Giovana Rosso Cagnani; gibanezredin@alumni.usp.br, com Gisela Ibañez Redin; chu@ifsc.usp.br com Osvaldo Novais de Oliveira Junior e marco.gutierrez@hc.fm.usp.br, com Marco Antonio Gutierrez
Via: Jornal da USP