Um inovador composto em fase de testes laboratoriais demonstra potencial para interromper a progressão da leucemia, eliminando células cancerosas e freando sua multiplicação em mais de 20 modelos de cânceres hematológicos.
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP estão avaliando uma nova substância que pode limitar o avanço da leucemia — um tipo de câncer sanguíneo caracterizado pela produção descontrolada de glóbulos brancos na medula óssea. Publicado na revista Toxicology in Vitro, o estudo revelou que o novo composto tem se mostrado eficaz na destruição das células leucêmicas, mantendo a integridade das células saudáveis.
A molécula inovadora, chamada C2E1, foi desenvolvida pelo grupo liderado pelo cientista Fernando Coelho, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp). Ela atua como inibidora da tubulina, uma proteína crucial para a formação dos microtúbulos, estruturas fundamentais para a divisão celular. Ao bloquear a tubulina, o C2E1 interrompe a divisão das células cancerosas e impede a progressão da leucemia.
“O meu trabalho já envolvia o estudo dos microtúbulos como alvo terapêutico para leucemia. Quando recebemos o composto do professor Coelho e identificamos sua interação com a tubulina, decidimos investigar seu mecanismo e efeitos”, explica o doutorando Hugo Passos Vicari, principal autor do estudo.
Os experimentos in vitro demonstraram que o C2E1 eliminou células cancerosas e freou sua proliferação em 21 dos 25 modelos celulares avaliados, confirmando também sua segurança para células saudáveis e sugerindo um potencial para menor incidência de efeitos colaterais futuros.
Vicari detalha que os testes incluíram a análise da citotoxicidade do composto, verificando sua capacidade de induzir a morte celular e interromper o ciclo de divisão celular, um processo conhecido como catástrofe mitótica. Os resultados mostraram a eficácia do composto em diversas formas de leucemia, desde a leucemia linfoblástica aguda, comum em jovens, até a leucemia mieloide aguda, prevalente em adultos mais velhos, uma faixa etária onde alternativas de tratamento são limitadas devido à inadequação para transplante de medula óssea.
Tratamentos combinados e Potencial futuro
Medicamentos que visam a tubulina têm sido utilizados no tratamento de câncer desde a década de 1940. No entanto, a busca por novas alternativas é constante devido à resistência que alguns pacientes desenvolvem com o tempo.
“Embora a tubulina seja um alvo terapêutico eficaz, os medicamentos existentes nem sempre garantem uma resposta completa e resistência pode ocorrer. Terapias combinadas são uma abordagem promissora para superar essa resistência”, observa João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia do ICB e coordenador do estudo.
O novo composto mostrou-se eficaz mesmo em modelos celulares resistentes aos inibidores existentes.
“O C2E1 se liga à tubulina de maneira distinta dos medicamentos atuais, como Vincristina e Paclitaxel, o que pode evitar a resistência observada com esses tratamentos”, acrescenta Vicari.
Com cerca de 11 mil pacientes no Brasil que podem se beneficiar de novos tratamentos, especialmente em casos de recaída, o C2E1 apresenta-se como uma alternativa promissora.
“Nosso tratamento pode ser aplicado em situações onde outras opções não são viáveis”, afirma Machado-Neto.
Além disso, a C2E1 é facilmente sintetizável em laboratório, o que representa uma vantagem significativa sobre a Vincristina e o Paclitaxel, que exigem extração de plantas de crescimento lento e processos complexos. O próximo passo será testar a molécula em modelos animais para avaliar sua eficácia e segurança em sistemas mais complexos, um processo que pode levar de dois a cinco anos antes de entrar em ensaios clínicos.
O estudo conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).