Iniciativa busca alternativas inovadoras para o tratamento de doenças bacterianas em um cenário de crescente resistência a antibióticos.
O centro de pesquisa em biologia de bactérias e bacteriófagos, que nasce da união de cientistas da USP, Unesp e Unicamp, está se dedicando a uma linha de investigação promissora: os vírus que atacam as bactérias, conhecidos como bacteriófagos ou fagos. Esses vírus, tradicionalmente considerados inimigos das bactérias, podem se tornar aliados poderosos no combate às infecções bacterianas, especialmente em um momento crítico onde os antibióticos convencionais estão perdendo sua eficácia devido à resistência microbiana crescente.
Inspirado pelo trabalho pioneiro de Francisco Mojica e a descoberta do CRISPR, mecanismo que defende as bactérias contra vírus, o novo Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) B3, apoiado pela Fapesp, visa integrar a pesquisa básica e a inovação com a indústria. O objetivo é explorar as interações entre as bactérias e seus predadores naturais (os fagos) para desenvolver novas abordagens terapêuticas, além de aprofundar a compreensão dos mecanismos biológicos que permitem às bactérias se multiplicar de maneira tão eficiente.
Composto por 21 pesquisadores, o Cepid B3 une especialistas em microbiologia molecular, bioquímica e biotecnologia, com o foco de investigar como as bactérias funcionam e interagem entre si, bem como como os fagos podem ser utilizados como uma alternativa aos antibióticos.
“Nosso objetivo não é desenvolver novos antibióticos diretamente, mas explorar o potencial dos fagos e outros recursos biológicos para avançar na luta contra a resistência bacteriana”, explica Frederico Gueiros Filho, professor do IQ e coordenador do Cepid B3.
Um dos eixos principais do centro de pesquisa é o estudo da fagoterapia, que se refere ao uso de fagos para tratar infecções bacterianas, especialmente aquelas causadas por cepas resistentes aos antibióticos tradicionais. Aline Maria da Silva, vice-diretora do Cepid e especialista em fagos, destaca que, embora ainda seja um campo em desenvolvimento, a fagoterapia já é uma realidade em alguns países do leste europeu, onde os fagos são usados para tratar infecções que não respondem a medicamentos convencionais.
Apesar de seu enorme potencial, a aplicação de fagos requer um tratamento altamente personalizado para cada paciente e infecção específica.
“A medicina personalizada é uma vantagem dos fagos, mas também uma restrição, pois a preparação de um fago adequado a cada tipo de bactéria resistente é um processo caro e complexo”, explica Aline. No entanto, com o avanço das pesquisas e o crescimento de bibliotecas de fagos, o Cepid B3 visa ampliar esse tipo de tratamento no Brasil.
Além da pesquisa com bacteriófagos, o Cepid B3 está investindo em novas tecnologias, como a triagem de alto desempenho (HTS), para identificar moléculas que possam bloquear as proteínas essenciais para a sobrevivência e multiplicação das bactérias. O objetivo é descobrir novos compostos que possam ser usados no desenvolvimento de antibióticos ou em outras terapias.
Frederico Gueiros Filho acredita que o maior desafio do Brasil atualmente é construir uma ponte sólida entre a pesquisa acadêmica e a indústria farmacêutica.
“Estamos em busca de uma colaboração mais estreita com a indústria, para entender suas necessidades e aplicar nossa pesquisa básica de maneira que seja relevante para o desenvolvimento de novos tratamentos”, afirma o professor.
O Cepid B3, que tem núcleos de pesquisa nas cidades de São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto e Rio Claro, já iniciou suas atividades em 2023 e prevê um período de pesquisa de pelo menos cinco anos. Os cientistas do centro estão determinados a ampliar as bibliotecas de fagos no Brasil, criando um banco diversificado de vírus que poderão ser utilizados em tratamentos personalizados de infecções bacterianas.
Chuck Farah, diretor responsável pelo Cepid, complementa:
“Estamos preparando o caminho para um futuro onde os fagos possam ser usados de forma mais ampla e acessível, trabalhando com a indústria e outras instituições de pesquisa para tornar essa solução uma realidade.”
Via: Jornal da USP