Um dos tipos mais letais de tumor é o glioblastoma, já que poucos medicamentos se mostram eficazes em combater esse crescimento desajustado de células da glia, que compõem o tecido cerebral. O padrão atual de tratamento é a remoção cirúrgica do tumor, seguida de quimioterapia com temozolomida, radioterapia e nitrosoureias (como lomustina). Embora tenha havido certa melhora na sobrevida de pacientes ao longo dos anos, o prognóstico ruim permanece, pois essas células tumorais têm altíssima capacidade de resistir aos fármacos existentes e, muitas vezes, voltam a crescer após operação.
Agora, um estudo publicado na revista Scientific Reports mostrou resultados promissores de duas substâncias que conseguiram inibir a proliferação dessas células tumorais. Para o teste, in vitro, foram avaliados 12 compostos gerados como subprodutos durante a síntese total do cloridrato de apomorfina (APO). Dois deles, chamados de A5 (derivado de isoquinolina) e C1 (derivado de aporfina), mostraram capacidade de promover a morte das células de glioblastoma. Além disso, conseguiram bloquear a formação de novas células-tronco tumorais e potencializaram o efeito da temozolomida, hoje o principal quimioterápico utilizado no tratamento.
“Mais estudos são necessários para melhor caracterizar a ação em células tumorais e normais, mas os resultados obtidos sugerem uma potencial aplicação terapêutica desses compostos como novos agentes citotóxicos úteis no controle dos glioblastomas”, explica Dorival Mendes Rodrigues-Junior, do departamento de bioquímica médica e microbiologia da Universidade de Uppsala, na Suécia, um dos autores do artigo.
Para desenhar o estudo, os pesquisadores se debruçaram sobre a obtenção do cloridrato de apomorfina, que envolve uma série de reações químicas sequenciais, na qual cada passo gera um composto que é consumido na etapa seguinte. Em uma pesquisa anterior, o grupo havia avaliado o grau de eficácia de 14 desses compostos em células de câncer epidermoide de cabeça e pescoço. Tanto o A5 quanto o C1, também naquela ocasião, haviam se mostrado promissores e a opção foi por expandir os testes. “Diante da relevância e urgência em se identificar novas substâncias terapêuticas que possam ser úteis para o tratamento de glioblastoma, avaliamos o mesmo painel utilizado no estudo anterior, mas agora para este outro tipo de tumor”, explica Rodrigues-Junior.
O projeto sobre marcadores moleculares de carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço conta com apoio da FAPESP e envolve outro autor que também assina a publicação mais recente, André Vettore, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Diadema.
“Esse estudo apresenta resultados interessantes, mas são apenas os primeiros passos de uma longa caminhada. Essa potencial utilidade dos compostos A5 e C1 no controle de células de glioblastoma precisa agora ser analisada em modelos in vivo, bem como ter seus efeitos avaliados em células neurais não tumorigênicas”, adverte Vettore. Para o pesquisador, caso os resultados obtidos nesses ensaios sejam promissores, é possível supor que, no futuro, a eficácia seja avaliada em estudos clínicos. “Satisfazendo todas as etapas, esses compostos poderão ser, por fim, úteis no tratamento de pacientes acometidos com glioblastoma”, diz.
Produtos naturais bioativos
O estudo foi elaborado para avaliar as atividades antitumorais in vitro de 12 compostos aromáticos obtidos como intermediários na síntese total da apomorfina. Essa substância alcaloide tem interação com a via da dopamina e já é amplamente utilizada para controlar as alterações motoras causadas pela doença de Parkinson.
Os alcaloides representam uma das classes mais conhecidas de produtos naturais com múltiplas propriedades farmacológicas e são estudados por ação anticonvulsivante, antiagregante plaquetário, anti-HIV, dopaminérgico, antiespasmódico e anticancerígeno.
A FAPESP incentiva estudos com essas substâncias por meio de um projeto conduzido no Departamento de Química da Unifesp, em Diadema, sob a coordenação de Cristiano Raminelli, outro autor da publicação na Scientific Reports. Assinam também o estudo Haifa Hassanie, Gustavo Henrique Goulart Trossini, Givago Prado Perecim, Laia Caja e Aristidis Moustakas.
Via: Agência Fapesp